Sobre o rock e outras coisas com Carneiro

14:30

Por Brenda Fernández
Carlinhos Carneiro
Foto: Ingrid Prá/ProjetoFragmentado


Abençoada seja a primavera que logo de cara nos trouxe um clima agradável, uma conversa sem hora marcada, risadas fiadas e música. Na mesa charmosa e colorida do café, o assunto foi música, ou melhor, os assuntos foram diversificados, mas o principal foi o cenário musical gaúcho – O Golpe. Quem nos conta melhor sobre esse suposto “Golpe” é o vocalista da banda Bidê ou Balde, e agora também escritor, Carlinhos Carneiro. Ele também fala sobre o ramo artístico que sempre foi simpatizante, e que agora coloca na prática: ser escritor.

NA FRENTE: OS BRASAS
Há quem diga que o Rock Gaúcho deu as caras na década de 60’s com a banda cover dos The Beatles, The Liverpool. Para Carneiro o nossa rock começou no início da década com Os Brasas.
“Os Brasas já tinham naquela época uma proposta surpreendentemente artística. Era uma banda do interior no qual suas composições eram muito compostas de vivências locais”, explica.
A banda cover nos The Beatles entra nesse cenário quando apresenta uma proposta artística definida. De  The Liverpool, se transforma em Bicho da Seda, e logo depois, vira banda de apoio às Frenéticas.
Nas décadas seguintes, o cenário do Rock Gaúcho vai ganhando grandes bandas, e paralelamente, sendo modificado e adaptado constantemente. O estilo dos anos 60’s ainda é muito encontrado como base para músicos atuais. As influências rolam soltas quando resgatar o que o rock que há de melhor conserva e resgata valores primordiais.
Resgatar, por exemplo, o uso do vinil está sendo uma prática muito bem adotada, mesmo que os valores investidos ainda sejam bem elevados. Assim como outras bandas, a Bidê ou Balde abraçou essa ideia e fez um álbum muito aceito pelo seu público. “Sempre tivemos a vontade de fazer isso, mas os custos eram altos demais. Aconteceu o aparecimento da Gravadora HBB que levou essa nossa ideia a diante”.

SOBRE O RS, SOBRE O BOM FIM, SOBRE NÓS
Que o gaúcho é bairrista é assunto indiscutível – ou pelo menos naquele momento -, o que espelha numa categoria para o rock, o bendito Rock Gaúcho. Se essa denominação é bem aceita em outros estados não sabemos, mas para nós, gaúchos, é bem-vinda e tem um valor bem simbólico. Carlinhos logo se antecipa e diz ser questão laboratorial. Uma junção das vivências e influências locais.
“Para mim, essa geração conta com uma série de situações históricas da música. Sempre teremos alguém próximo pra ter como ídolo. É de extrema importâncias os ‘’pitacos’’ que são dados sobre o teu trabalho, essa preocupação em ir lapidando o produto. A partir do momento que existe um débil mental que fez de tudo na música tu pensa que é fácil fazer qualquer absurdo. Então toda geração que veio depois do The Fallacy é livre de qualquer limite e preconceito dentro da música. Tu adquire uma liberdade de tentar qualquer coisa e ver que dá certo. “ Carneiro explica.
Uma característica bem forte da música gaúcha está em suas composições que em sua maioria utiliza elementos e fatores locais. Nosso cenário é o ideal para elaborar canções lindas sem precisar dar um pulo em Paris ou Buenos Aires. Carlinhos cita São Paulo onde as bandas são muito boas, com grandes estúdios a disposição, mas elas ainda são vinculadas a influências internacionais. É uma cidade cosmopolita que está mais ligada com o mundo inteiro do que aqui, no Rio Grande do Sul, que está mais ligada com o Bom Fim.

Carneiro
Foto:Ingrid Prá/ProjetoFragmentado
O GOLPE
Para Carlinhos Carneiro isso tudo só existe por consequência de um Golpe. “É um golpe do Carlos Eduardo Miranda que inventou essa categoria de Rock Gaúcho. Isso não existia e ninguém utilizava essa linguagem. Ele criou esse factoide do rock gaúcho. Acho um ‘golpe’ falar de uma coisa assim, pois é uma forma de vender as coisas daqui. O povo gaúcho é tão louco que compra um golpe criado por alguém. É a mesma coisa que acreditar que somos machões e vencemos as guerras. O povo gaúcho inventa mentiras e talvez seja por isso que a gente faz um rock mais legal”.

FALA-ME DA TUA ALDEIA E FALARÁS AO MUNDO
O rock mais legal é também aquele que consegue juntar mais de um estilo da música local e faz uma parceria de peso. Como foi o caso da união de Bidê ou Balde com o instrumentalista Renato Borghetti para a propaganda televisiva para telefonia Claro. O som da gaita de Borghetti com o pessoal da banda durou alguns segundos no vídeo transmitido ao mundo todo, e rendeu dos fãs aos músicos pedidos enlouquecidos de mais.
“O fato da gente ser do Rio Grande do Sul já é maravilhoso, e ser dessa cidade que gera tanta cultura, tanta arte, que os artistas prestigiam uns aos outros. Se a gente tem que ter orgulho disso. Eu tenho orgulho de ser fã de vários estilos da música. A parceria com o Borghetti sempre foi nossa vontade, mas só concretizou com a proposta da Claro.” Carlinhos também revela que o disco novo que estão preparando está cheio de parcerias. Essa é uma proposta atual da Bidê ou Balde, fazer diversas parcerias, misturar elementos. É uma forma de se redescobrir a todo mundo e ir pensando numa nova fase para depois dessa. A Banda também gravou com a parceria dos rapper’s do grupo Rafuagem, do Plato Divorak que é um ídolo psicodélico da Bidê, dentre outros artísticas. 

“ROBERTO CARLOS DEVE MORRER DE INVEJA DO LUCAS”
Nos dias de hoje montar uma banda estruturada em qualquer lugar do mundo parece bem simples,  e ter uma visibilidade logo em seguida é feito com alguns cliques. Mas, quando falamos no mercado musical as coisas não são tão fáceis assim. “Ainda encontramos dificuldades, principalmente porque não existe mais o mercado fonográfico. Encontrar uma gravadora grande para abraçar uma causa e distribuir tua música tá bem mais difícil, há um gasto bem grande. Está mais fácil fazer música em casa, gravar um disco inteiro. É super possível. O mercado fonográfico rende muito pouco hoje.”  A música tem muitos artistas independentes que estão lutando para avançar na estrada. É um caminho que quase todos seguem, alguns com atalhos, outros não. Carlinhos lembrou a trajetória do cantor Lucas Silveira (integrante da Banda Fresno) e brinca “Roberto Carlos deve  morrer de inveja do Lucas”.

IMPÉRIO DA LÃ
Carlinhos Carneiro não se limite a dividir os palcos com a banda Bidê ou Balde, aquém disso, ele divide o trio elétrico e o calor do carnaval com o conjunto Império da Lã que faz a maior folia no Carnaval de Rua da Cidade Baixa desde a época de Ali Babá. E claro, o assunto não poderia ficar de fora da conversa. “O Império é mais desgarrado, não tem formação fixa, ideias fixas e nem telefone fixo. Para mim a Império da Lã surgiu como uma universidade de música. O Império é um hobby meio sério, mas ás vezes não. Tem vezes que ensaiamos muito e chegamos na hora bebendo e erramos tudo. Mas essa é a proposta.”

BIDÊ OU BALDE ALÉM DO TRENSURB
A banda Bidê ou Balde já conquistou o Brasil e agora traça rumo ao exterior levando um pouco do nosso clima aos gringos. Carneiro nos conta que a Turnê Internacional já está marcada. Os primeiros privilegiados serão os uruguaios, argentinos e peruenses. Para o início de 2015, a vontade é tocar nos Estados Unidos. Outro país que chama a atenção da banda é o Japão onde de vez em quando o som dos meninos rola nas boates. “A gente recebe um monte de notícias engraçadas. Tenho um amigo que é DJ no Japão e outra amiga que foi DJ no show dos Mutantes no teatro de Londres e colocou Bidê pra tocar antes do show. Essa turnê fará nos sentirmos jovens, ou nos mostrará que não somos jovens e que temos que voltar pra casa e ir só até onde vai o trensurb. (Risos)”, brinca o cantor.

OS ESCRITOS
Carlinhos Carneiro entra de vez no ramo da literatura e nos conta do lançamento do seu livro de contos que será no dia 15 de novembro na Feira do Livro, em Porto Alegre. Antes de surgir a ideia de montar um livro, Carneiro escreve até hoje para uma página na internet de contos chamada “Só Mascarenhas”. A parceria do livro é com a artista plástica Carla Barth.

Carlinhos e Ketlyn
Foto:Ingrid Prá/ProjetoFragmentado
POR QUE NÃO?
Enquanto em 2001 a música Por que não? era a mais tocadas nas rádios do Sul, críticas de que a letra da música remetia ao abuso sexual rolavam soltas. A polêmica foi além do previsto e a “morte” da canção mais famosa foi decretada.
Perguntamos sobre a música da Banda Bidê ou Balde ‘’Porque não?” escrita por Carlinhos e a repercussão que teve. “Queria criar uma letra com duplo sentido, mas que não falasse de sexo necessariamente. Eu achava que era interesse gerar um debate, porém quando vieram as críticas eu parei para analisar, e talvez por falta de conhecimento e vivência ou falta de sensibilidade por uma causa que não estava presente na minha vida, eu não tinha reparado no quanto é sofrido. A existência do assunto é sofrida. Lamento que as pessoas não tenham gostado e lamento mais ainda que a música não exista mais.”
Depois de um acordo judiciário, a música ficou de fora da playlist da Bidê nos shows. A Banda tem maior respeito as pessoas que se sentiram incomodadas quanto a letra da canção.
“Acho charmoso o desaparecimento de uma música’’ encerra Carneiro.
O dia já vai se despedindo aos fundos da Redenção quando alguém grita de longe que já está na hora de entrar. Tudo foi belo, mas que pena que o funk que Carneiro canta não pode ser transcrito.


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