A Transformação de uma Sociedade pela Arte

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Deborah Finocchiaro
Foto: Divulgação
Por Brenda Fernández
A multiartista Deborah Finocchiaro nasceu em 16 de junho de 1966 na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Subiu nos palcos do teatro para atuar na década de 80’s, e logo seu talento rompeu os limites da coxia. Uma década depois o cinema gaúcho a recebia de braços abertos e ampliava o cenário artístico. Ser atriz, locutora, apresentadora, roteirista, autora, produtora e ainda bacharel em Interpretação Teatral pela Faculdade de Artes Cênicas da UFRGS é parte da bagagem cultural que a artista carrega pelo país inteiro. Hoje, Deborah integra a Companhia de Solos & Bem Acompanhados, e Grupo dos Cinco. De Norte a Sul ela leva a arte acreditada para todos os cantos por aonde chega com o principal intuito: transformar.
Encontrei com Deborah Finnocchiaro no dia 10 de outubro, minutos antes de ela entrar em cena com o espetáculo GPS Gaza, para uma conversa no Café do Lupi do Teatro Renascença. Eu não tinha uma pauta específica porque eu sabia que ela conseguiria falar de tudo. Ela superou minhas expectativas. Liguei o gravador e deixei que ela fizesse o que bem sabe: se expressar.

Como foi o primeiro contato com a arte?

Eu nunca pensei em fazer teatro. Gostava de música e tocava violão desde pequena.  Mas quando eu tinha dezoito anos eu fui mostrar uma música para uma amiga minha, e ela me questionou “Por que tu não vai fazer teatro?”. Então fui fazer um teste e não passei, mas nesse momento eu conheci algumas pessoas que já eram envolvidas com o teatro e fiz um teste para uma Oficina, desta vez passei, e tudo começou a acontecer. Minha primeira peça foi Minha Senhora dos Afogados. Desde aí eu não parei mais, virou meu trabalho. Foi a vida que me empurrou pra isso. Comecei a conhecer, descobrir o teatro que eu gostava e querer fazer do meu jeito. Fazer o que eu acreditava. Foi natural, foi acontecendo.


Qual foi o caminho até tu descobrires o teatro que tu gostavas e acreditavas?

O Teatro de Rua eu fiz só intervenções.  Eu acho o Teatro de Rua maravilhoso, muitas vezes tenho vontade de fazer, inclusive acho que tem super haver comigo e com a minha linguagem, mas eu não teria paciência para fazer por suas características, como por exemplo, estar na rua cheia de roupas e um clima quente.

Eu faço de tudo na real, eu faço teatro de palco, mas eu trabalho com muitos saraus, intervenções teatrais, com literatura e pretendo ainda fazer mais intervenções nas ruas.

Trabalha com formação de atores?

Sim, muito. Mas como demanda um tempo, eu não dou oficina fixa. Ando viajando muito e dando aulas específicas para atores. É uma escolha. Não penso em abrir mão de ser atriz e diretora pra ser professora. Mas eu adoro dar oficinas. É uma coisa que me dá prazer e sempre tem dado muito certo. São incríveis as experiências que eu já tive dando aula. É por entrega e isso sempre tem uma volta.


Qual é o seu público?

Minhas peças são para todos os públicos. Não me interessa fazer teatro apenas para quem faz teatro, de jeito algum. Ouço opiniões de todos que assistem, mas pra mim, a opinião que interessa não é de quem faz teatro, é de todos.


Qual a importância do teatro no currículo das escolas de ensino básico?

Fundamental! Acho que qualquer manifestação artística é fundamental para a transformação de um ser, para a transformação de um pensamento, para a contribuição de um mundo mais justo, sensível, para a noção que esse mundo que a gente recebe bombardeado pela mídia é uma discrição apenas, e a arte é a saída, é a educação. Quando falamos em cultura é algo tão confundido, inclusive com baile de debutante. E quantas vezes a gente vê secretarias municipais que são Educação, Esporte e Cultura juntas? É um absurdo. Acho fundamental também ter um teatro consciente. Consciente no sentido que contribua para o aluno, para a pessoa, para o ser; para este ver que ele é um ser criativo por excelência, que ele pode fazer o que quiser com a voz e o corpo dele. E não pelo contrário: para forçar o ego e se achar melhor que o outro. O artista não é melhor que ninguém. Eu sou contra isso, acho melhor atuar no palco que atuar na vida. A sinceridade é tudo e se confunde muito isso, o artista com celebridade. Enfim, nas escolas deveria ter aulas de teatro com bons profissionais, é fundamental para transformação de uma comunidade, de uma nação, de um mundo.

Você acredita que o teatro é ainda muito elitizado?

Acho sim. Também acho que muitas vezes é levado um teatro de péssima qualidade para as ruas, para as periferias. Qualquer coisa vira teatro porque pra fazer teatro não precisa de diploma. Quando falo em qualquer coisa é qualquer coisa mesmo. Além de contribuir vira um entretenimento, mas se for um bom entretenimento é maravilhoso porque rir é bom, se emocionar é bom, é tudo válido. Mas temos que primar pela qualidade do que é levado. Ter esse cuidado, essa responsabilidade do que se está fazendo. Ter profundidade nas escolhas. Quando falo em profundidade não é só a maneira de falar, mas que sejam assuntos sérios, que interessem. E quando é a arte pela arte que seja uma arte que toque no espírito, na alma, que provoque.  Porque a arte é a manifestação divina na terra, é uma forma que temos de trabalhar com outros canais sensoriais que temos. E destravar porque a doença do mundo está na trava, no medo. E o medo é o aposto do amor. Conseguimos através da arte contribuir para relações mais amorosas, mais abertas, mais claras, menos emaranhadas.

O teatro leva a reflexão de questões sociais que precisam ser abordadas. Na sua última peça “GPS GAZA” (2014), o texto reflete sobre várias temáticas que ainda enfrentam tabus, como por exemplo, o abuso sexual e a religião. Qual o cuidado que o diretor tem ao levar temas como estes à discussão?

A peça surgiu a muito tempo deste desejo: de falar de questões não ditas, e ir além, fazer de questões que não estão explícitas na peça. O cuidado que se tem é qualidade artística, buscar uma estética que seja artística. Não o cuidado do que é dito porque aquilo precisa ser dito, mas como vai ser dito. Tanto que eu começo a peça dizendo “eu preciso falar sobre o que não se fala. Estou cheia que as pessoas não tenham coragem de falar. Não quero saber de fofoca, quero saber de mim, quero saber de você”. Isto tá dito. A peça ainda tem muito que ser mexida, e o teatro tem o poder de ir se transformando. Tenho uma peça há 21 anos chamada “Pois É Vizinha...” que eu continuo mexendo até hoje. GPS Gaza está muito aquém do que pode ficar. Ele pode ir muito mais afundo.


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