Entre o Pensar e o Escrever Surge as Composições de Cícero

15:42

Cícero no Bar Opinião
Foto: Rayana Garay
A Música Popular Brasileira – MPB começou em 1960, segmentada a partir da geração da Bossa Nova, que constitui a junção de cantores ligados ao samba e jazz. MPB é um estilo original do Brasil que reflete na sua cultura e utiliza instrumentos típicos que fielmente sugerem uma proposta incomum de outros países.
No decorrer dos anos, grandes nomes da música popular conquistaram os seus espaços como, por exemplo, Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Eles foram grandes compositores que aderiram a um estilo próprio, transformando o seu “tom particular” num alcance musical além do que era ouvido na época.  Cícero Rosa Lins, o nosso entrevistado, é exemplo da transformação que continua e, hoje, representa a nova geração da MPB ou Nova MPB.

O cantor Cícero se apresentou em Poa
Foto: Rayana Garay/ProjetoFragmentado
O cantor nascido na cidade do samba e da MPB (Rio de Janeiro) começou a ter o contato com a música desde cedo seguindo para o rock, indie e pop. Sua primeira banda “Mary J” formada entre 2002/2003, era mais punk rock. Chegaram a gravar algumas demos, mas resolveram mudar a sonoridade e renomearam para Alice, formado por Cícero na guitarra e vocal; Paulo Vitor Grossi na guitarra; Higor Cassiano na bateria; e Rodrigo Abud, no baixo e vocal de apoio. Alice teve como influência as bandas Los Hermanos, Interpol, Pixies. Gravaram dois álbuns no estilo indie alternativo, diferente do ritmo que o Cícero apresenta nos dias de hoje. A banda chegou ao seu fim em 2008.

Cícero e  Uirá Bueno
Foto: Rayana Garay/ProjetoFragmentado
Graduado em Direito, o cantor carioca resolveu morar sozinho num apartamento. Passou a compor músicas num formato poetizado, em uma MPB mais intimista. “Canções de Apartamento” foi o primeiro álbum solo do cantor. Gravado em 2011, o disco foi disponibilizado de forma gratuita no site do cantor. Cícero criou um estilo próprio, composto por um lado totalmente reservado. A sua forma de se expressar sobre as emoções cotidianas ganhou o gosto do público, fazendo com que o artista fosse reconhecido como a nova cara da MPB ou Nova MPB.

Após dois anos do lançamento do “Canções de Apartamento”, os fãs do cantor ficaram na espera por novas melodias quando Cícero prometeu na época por um disco diferente do anterior. Surge em 2013 “Sábado”, o segundo disco do artista, disponibilizado também de forma gratuita no site dele. Composto por 10 faixas, as melodias foram entregues pela leveza de traços poéticos, que já são marcas registradas do cantor. Em mensagens curtas que priorizam a melodia do álbum “Sábado”, apresenta um Cícero mais maduro e com pé no chão.


Cantor carioca
Foto: Rayana Garay/ProjetoFragmentado
Em março de 2015 o cantor carioca Cícero lançou o terceiro álbum denominado “A Praia”, que também seguiu na mesma linha dos discos anteriores. O terceiro conta com 10 faixas e tem como continuação a música “Frevo Por Acaso” que ressalta os passos que o artista levou até a construção da sua carreira. “Frevo Por Acaso nº2” é a primeira música do disco e mostra claramente as mudanças na vida do artista.
 “Papeis, documentos/Velhas normas de comportamento [...] Vou sem culpa pela via Dutra”.


É assim que Cícero se expressou ao ter deixado sua profissão para seguir fazendo o que gosta, tendo mais contato com a música e se mudando para um outro estado. O cantor saiu do Rio de Janeiro e foi morar em São Paulo. Essa mudança de estado foi fundamental para a criação do seu último disco. “A Praia” é a mudança de um bem-estar, saindo de uma estabilidade plena e tendo que ir viver numa cidade grande, onde a vida é corrida e o campo profissional mais disputado.


Após o disco recém lançado, o artista deu o pontapé inicial para divulgação das novas músicas. Em abril, Cícero, juntamente com os músicos Gabriel Ventura (guitarra), Cairê Rego (baixo), Uirá Bueno (Bateria), Bruno Schulz (acordeon), iniciou a sua turnê passando pela cidade de Curitiba (24) e em Porto Alegre (25).

Cícero apresenta o novo disco em Poa
Foto: Rayana Garay/ProjetoFragmentado
Apresentou-se pela terceira vez no Bar Opinião no dia 25 de abril. Com casa lotada, o público mostrou a Cícero a sua admiração, depositada nas músicas cantadas que fizeram parte do amplo repertório apresentado.
A entrevista com o cantor é o início da comemoração de um ano do Projeto Fragmentado. Nada mais justo que dar a partida com o primeiro entrevistado do Projeto, no qual é representado pelo cantor Cícero.

Confira a entrevista:

PF - Analisando seus três álbuns, percebemos que suas letras falam de um Cícero totalmente interior, reservado, imune. No entanto, no cenário exterior, um País está em luta, ou muitos dirão, em guerra. Até que ponto o mundo exterior influência nas suas composições e naqueles sentimentos que levam você a compor?

Artista Cícero
Foto: Rayana Garay/ProjetoFragmentado
Cícero - Acho que reservado sim, mas imune não. Nos três discos, mais no Sábado especificamente, eu me coloquei bastante afetado pelo estado turbulento em que o Rio de Janeiro se encontra. As manifestações de 2012/2013 foram traumáticas. Minha irmã apanhou de PM´s voltando da faculdade de teatro, por exemplo. Ela nem estava se manifestando, estava voltando pra casa e passou por uma manifestação. Foi e vem sendo uma época horrível na cidade.

PF - De seu último disco: “Isabel anima qualquer coisa pra sair de casa... pra rodar na rua”. Cada vez mais vemos inúmeras “Isabéis’’ abandonando o parapeito das janelas de suas casas e tomando o rumo da rua pela liberdade. De quais “Isabéis” você fala?

Compositor carioca
Foto: Rayana Garay/ProjetoFragmentado
Cícero -  A música não fala da Isabel, mas do pai dela que fica em casa e, conhecendo todas as maldades da vida adulta, fica aflito por ter que deixar a filha seguir o fluxo natural de crescer e ganhar o mundo. É uma música com tom cômico, mas que fala de um sentimento que eu vi meu pai sentir, por exemplo. As maldades estão todas por aí, no jornais, na tv, no facebook.

PF - A Internet virou grande ferramenta para o artista divulgar e disponibilizar o seu trabalho fazendo chegar a um grande número de pessoas em questão de minutos. Redes como o Youtube já foi mais procurado. Hoje, plataformas como Spotify, Deezer, Napster e Rdio são as mais procuradas para o comércio sonoro. Está movimentando o cenário musical um grande grupo de empresários e artistas - que têm suas músicas nessas plataformas – debates acerca de direitos. Porém, o que acontece é que a maioria dos artistas mal conhece as regras de remuneração dos streamings. Qual a sua opinião sobre esse consumo de música que mais cresce no Brasil e no Mundo? Até que ponto beneficia o artista?

Cícero - Pra mim, que toco ao vivo minha composições, não vejo vantagem nenhuma nesses serviços mas não os vejo como inimigos. Não vendo muitos discos, não ganho dinheiro com streaming, mas minha receita vem dos shows. Mas pra quem não faz show? pra quem não se apresenta ao vivo mas se dedica profundamente a criar? pra esses vejo as plataformas de streaming (deezer, spotify, etc) e o Youtube, por exemplo, como inimigos sim.

Cícero em Porto Alegre
Foto: Rayana Garay/ProjetoFragmentado
Uma música bonita e bem sucedida já garantiu o sustento de famílias inteiras antigamente, e acho justo, é muito difícil fazer uma música bonita e bem sucedida. Mas hoje, isso não vira nada além de satisfação pessoal e alguns fãs virtuais. Acho injusto. Pela minha criação fui ensinado a correr atrás e fazer minha própria realidade funcionar da melhor forma pra mim, mas não poderia ser egoísta e não ver que danos muito profundos podem acontecer a uma classe inteira por conta dessas mega empresas que não se sujeitam a lei alguma. O Youtube não pagar direitos é ridículo, eles enfiam anúncios de carros no meio da minha música e nunca vi um centavo por isso. Mas o site é deles, como faz? eu nunca coloquei uma música minha sequer pra audição no Youtube, mas as pessoas colocam, como fazer? O Deezer e essas plataformas são ainda ainda piores, você paga uma assinatura pra ouvir músicas. Parou de pagar, parou de ouvir. Isso é ainda pior que as gravadoras. Meus discos seguem pra download e streaming gratuitos no meu site até que alguma solução justa se mostre viável.

PF - Na sua última vinda a Porto Alegre, em entrevista ao Projeto Fragmentado, você demonstrou grande vontade de algum dia pode tocar no Theatro São Pedro. Ainda existe a possibilidade de vermos você naquele palco?

Cícero - Tenho essa vontade sim! tomara que role em breve.
Nova cara da MPB
Foto: Rayana Garay/ProjetoFragmentado

PF - Percebemos em suas músicas que há fragmentos de parágrafos letras que não precisam estar, necessariamente, padronizada (ser exatamente grande) para expressar alguma coisa, que pode ser visto no álbum A Praia. Como foi a busca para este desenvolvimento?

Cícero - Veio da vontade de levar pro texto a forma como organizo as idéias na minha cabeça. Foi uma busca por forma, por equivalência entre a forma que eu penso e a forma que eu escrevo.

PF - É perceptível em suas composições que existe uma estrutura diferente, mais original, na formação dos parágrafos, como pode ser visto no álbum “A Praia”. Como foi a busca para este desenvolvimento?

Cícero -  Foi uma busca racional. Queria chegar numa forma de compor que fosse fiel a forma como formulo minhas idéias e como absorvo as informações ao redor.

Entre o pensar e o escrever, como explica o cantor, ele traça sua música carregando grandes influências. Cícero tem um caminho longo para trilhar e honrar a nova geração da música popular brasileira.

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