Entrevista com o artista de rua Marcos Bahrone

13:18

Por Brenda Fernández 

Nas ruas de Porto Alegre o estatuísta Marcos Bahrone monta seu cenário. Retoca a maquiagem, ajeita o figurino. Com a bengala em mãos dá início ao espetáculo. “Poesia só 1 real” está em cartaz nas tardes ensolaradas da Rua da Praia e aos domingos no Brique da Redenção.


Artista Marcos Bahrone
Foto: Divulgação
A poesia de Drummond, Quintana e Pessoa propaga pelos parques. Quem assiste, na moeda, no sorriso e nas palmas gratifica a artista.
Marcos Bahrone, 42 anos, é ator autodidata. Artista por natureza, e do natural constrói a sua arte. É de forma simples e poética que o encontro acompanhado da namorada Alana Haase num café na Livraria Fnac para esta entrevista.

Projeto Fragmentado - Como você começou a se envolver com a arte?

Marcos Bahrone - Eu comecei no teatro como autodidata. Comecei a trabalhar direto com as escolas aplicando o que eu tinha aprendido no teatro de experimentação até eu começar a fazer a Escola de Atores, um ano e pouco depois. A partir disso eu comecei a desenvolver um potencial para o teatro de rua buscando perfomance para as ruas, intervenções. Surgiu a ideia de fazer estátua viva compondo alguma coisa a mais além de só pegar um papelzinho e fazer um movimento. Buscar palavras e mais atenção das pessoas. A partir disto veio a proposta de fazer estátua viva com poesia. Na época na placa dizia “Estátua viva – Poesia a partir de R$0,25”, criando uma reação diferente de quem passava. Depois que as pessoas começaram a perceber como acontecia, que na troca havia palavras e não apenas um papelzinho, começou a ter um vínculo.

PF - No trabalho de Estátua Viva qual a diferença da encenação [de um personagem] e da representação?



MB - A representação parte de uma figura. É dar o lúdico a pessoa. Remeter a uma imagem, e quando para essa pessoa a imagem era estática, com uma contribuição cria um movimento. E a outra, que também inclui dentro dessa parte - a relação de ter a troca – mas eu achava que era pouco. Pensando em mais trabalhei o teatro do vivencialismo. É vivenciar mesmo, na condição de tu, como ator, como personagem, ter a liberdade de recitar vários poetas.
Meu primeiro personagem foi o “Poeta Louco”? português de 1500 da colonização portuguesa para o Brasil que estava meio perdido no tempo e ele falava coisas da época dele como Shakespeare, Fernando Pessoa, Castro Alves. Começou a viajar nessa interlocução com as pessoas através da literatura.

PF -  Em 05 de março de 2014 foi regulamentada a Lei Municipal do Artista de Rua L. 10.376 de 31 de janeiro de 2008 que torna livre quaisquer intervenção em espaços públicos de Porto Alegre. Comparando antes e depois da regulamentação, quais eram as diferenças ao trabalhar nas ruas da cidade?

MB - Era complicado. Tinha que ter uma autorização das pessoas dos comércios ao redor. Tinha que propor algo a elas e convencer que era interessante o trabalho e pudesse agregar algo. Eu perguntava para as lojas próximas se podia executar meu trabalho. Às vezes conseguia uma parceria com elas, uma ajuda de custo, e pedidos de distribuição de panfletos enquanto eu fazia meu trabalho. Tinha que criar um vínculo. Havia comércios que não gostavam, então eu tinha que procurar outros espaços. Eu poderia estar em praças e um grupo de crianças brincando próximo, se os pais se sentissem incomodados eles podiam chamar o guarda municipal e eu teria que me retirar.
Essa lei veio a nos beneficiar e poder expressar um pouco dessa arte sem estar correndo da polícia ou debatendo com as pessoas se pode ou não pode, se o local é apropriado ou não. A gente sempre debatia em cima do artigo federal da Constituição do artigo 5º cisso 4º e 9º que dá livre acesso a cultura, de você se expor na rua, o direito de ir e vir. Claro, desde que você não crie um tumulto ou um protesto que possa vir a ser um tumulto. E também trancar o trânsito, ocupar calças inteiras impedindo o trajeto das pessoas. A preocupação era grande com isso, mas com essa lei ficou mais tranquilo.

Foto: Divulgação

PF -  A partir dessa Lei possibilitou que muitos artistas fossem para ruas. Como funciona a ocupação do espaço público compartilhando com outros artistas para que nenhum trabalho fique prejudicado? Até onde vai a liberdade de cada artista?

MB - O vínculo é importante. Mas somos muito desunidos até certo ponto. Em alguns grupos tem uma conformidade. Se eu trabalho com som eu tenho que ter mais cuidado. Se é um local que eu nunca fui e vou pela primeira vez eu tenho que chegar até o local e ver o que o artista que já está ali faz. Perceber se ele fala, se ele faz algum movimento, então perguntar se tem algum problema se eu fizer meu trabalho ali na outra quadra, próximo de ti.
Tem que ter esse diálogo. Pela lei eu poderia chegar e tocar meu trabalho. O espaço é público, eu estou ali. Mas entra a questão do raciocínio, o quanto o meu trabalho pode afetar o dele. Já fiz vários trabalhos onde esteve dois estatuístas juntos no mesmo local. E de forma respeitosa deu certo. 

PF -  Há uma comunicação e reunião destes artistas de rua para definir os espaços e alternar entre grupos para que tocos possam utilizar os locais da cidade?

MB - Não existe. Tem algumas pessoas que já se apossaram de lugares. No meu caso fazem onze anos que eu faço aos domingos no mesmo local do Brique da Redenção. É uma referência. Se eu chegar mais tarde e tiver outra pessoa ali vou conversar e explicar que a anos aquele é meu lugar e através do diálogo vamos nos entender. Hoje em dia eu estou enfrentando bastante o problema das caixas de sons porque eu trabalho com a voz. Agora estou me adaptando com uma caixa de som. Mas acho uma poluição sonora desnecessária. O artista de rua é acústico, é voz, é instrumento, corpo. O Brique da Redenção é o local onde mais acontece a poluição sonora prejudicando quem quer se comunicar apenas pela voz natural.

Foto: Divulgação
PF - Como pode melhorar?
MB - Estou tentando falar com a Câmara de Vereadores para implementar uma Lei para que não seja usado caixas de som neste tipo de apresentação. Já existe o grau de decibéis que não é respeitado. A Prefeitura não consegue ter um controle na hora de fiscalizar. Chama a atenção, o artista reduz o som, mas logo aumenta novamente. É questão de senso de ética. Tem muitos artistas, não são todos, que estão nem ai “é disto que eu vivo e as pessoas têm que me escutar”. Acaba quebrando o vinculo de ser um espaço público, privatizando o espaço para si.

PF - Além da Rua da Praia e do Brique da Redenção, quais espaços você realiza intervenções com Estátua Viva?


MB - Eu tenho experimentado trabalhar no calçadão de Ipanema. Tínhamos que catalogar todos os artistas de rua que temos na cidade e espalhá-los por Porto Alegre ocupando todos os espaços. Realizar uma programação através de um sorteio aberto para quem quiser participar da escolha. Tem muitos espaços que não são utilizados. No espaço que tem um artista começa a criar um fluxo maior de pessoas circulando. As pessoas começam a entender quais os dias que o artista está no seu ‘ponto’ começam a passar por ali mais vezes. Cria um vínculo do artista com o público em geral.

PF - A arte está muito centralizada?

MB - Com certeza! As pessoas que não estão no centro da cidade, onde tem teatros e pontos de culturais, não tem acesso a ela. O Projeto que estou buscando é usar um espaço localizado na frente de minha casa - que fica numa rua lateral entre duas avenidas movimentadas – e transformar aos sábados num teatro de contribuição espontânea. Você chega com sua cadeira, senta, em tal horário você tem acesso a arte. Se estiver passando pelo local e gostar pode ficar. Sempre penso na questão de valores, da arte provocar uma reflexão. Aquele momento pode te projetar algo, refletir sobre a vida, não sendo um momento só pra rir. Teatro não é para colocar um ponto de vista. Mas sim para colocar vários pontos de vistas e fazer com que a pessoa refletir sobre todos. A proposta sempre é essa: valores humanos, éticos, morais, culturais e sociais. A função do teatro é o olho no olho para ter esse contato humanístico.
Existe a apoderação da linguagem manipulada de forma interesseira. O interesse dentro do campo cultural aumenta cada vez mais também. Criam um Festival e trazem gente da França, da Europa, e os atores daqui? Eles não têm material, condições? Cria uma bolha apenas com aqueles de sempre, aqueles cinco. Uma bolha que impede grupos de entrarem porque não ficam sabendo, ou porque exige muito material – já sabendo que é isso que vai te impedir.
A sobreposição de verba federal, estadual e municipal é outro fator preocupante.


PF -  Você é a favor da disciplina de Teatro dentro da grande curricular de Escolas?
MB - Com certeza. Não só para os alunos como para os professores. É uma aula extracurricular de forma lúdica. As crianças aprendem muito mais vivenciando do que sentada numa cadeira escrevendo o conteúdo, o que não deixa de ser importante também. Fixa muito mais eles verem um palhaço falando “dois mais dois é quatro” do que a professora falar o mesmo. A figura do palhaço vai ficar mais gravada.
Hoje em dia já é obrigatória ter a disciplina de música na escola. Com músicos. Porque antigamente era a professora de Artes. É importante ter essas disciplinas como ciência. Eles aprendem a aplicar a arte na vida cotidiana e não apenas como uma fórmula. Algumas coisas se tornam mecânicas e outras imitações, mas se você tem uma forma lógica de introduzir essa mecânica, você vai fazer com muito mais precisão. Tem que haver o estímulo de pensar sem receber as coisas prontas.

PF -  Além do trabalho de estatuísta, tem alguns projetos paralelos ou engavetados?

MB - Tenho o teatro nas escolas que levo um espetáculo sobre Shakespeare com fragmentos de obras dele; o outro é “Desnelalelo” que é uma farsa francesa de Moliére que trabalha questões de sexualidade, doenças, classe social perante uma sociedade fictícia; e o terceiro é um espetáculo infantil chamado “Palhaços Malandros” que fala do trato interpessoal, do bullying, de limpezas pessoais como o banho, e a relação de convívio com as pessoas. Gravei a pouco tempo um seriado que será exibido na televisão que chama-se “A Taverna” contendo dezoito episódios que fala do espaço fora do espaço-tempo. Uma taverna onde os personagens se encontram para contar suas histórias em busca de salvar o pardo, que é o contador de história das ruas. Eu faço o personagem de Luis de Camões. Tem o personagem de Mário Quintana, Miguel de Cervantes, personagens de Beckett, e vários outros.
E agora a busca do projeto da conexão da poesia com a música lírica para levar para as ruas e também em performances para eventos. Quero construir algo próximo de uma ópera, um teatro musicado. E levá-lo para escolas passando conhecimento através de ferramentas artísticas.

Você pode gostar de ler

0 comentários